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"Um cientista que poderíamos chamar de 'amplo espectro', ou, mais ainda, um cientista completo. Ele contribuiu com a definição de políticas científicas, estimulou pessoas leigas a gostarem de ciência", é assim que Helena Nader, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), definiu o cientista Leopoldo de Meis em uma homenagem na 67ª reunião anual da entidade, que ocorreu em 2015. O bioquímico, professor emérito e fundador do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - hoje Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis - faleceu em 2014 e deixou não só saudades, mas uma rica contribuição em sua área do conhecimento, muita inspiração e exemplos de soluções criativas na divulgação da ciência. "Ele foi uma dessas pessoas raras, que conseguem, sempre com grande competência, empenhar-se em distintas atividades", descreve Luiz Davidovich, físico da UFRJ e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Meis nasceu no Egito em 1º de março de 1938, mas cresceu em Nápoles, na Itália. Quando tinha nove anos sua família se mudou para o Brasil. Formou-se em medicina na UFRJ, mas descobriu sua verdadeira vocação no laboratório de bioquímica, no Instituto Oswaldo Cruz, sob a influência do professor Walter Oswaldo Cruz (1910-1697). Assim, abraçou a carreira científica, que o projetou internacionalmente.

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PERTO DO NOBEL

Trabalhou nas linhas de pesquisa na área de bioenergética, com os mecanismos de transdução de energia em sistemas biológicos, transporte ativo de íons, e síntese e hidrólise de ATP (adenosina trifosfato). Os resultados estão em 205 trabalhos científicos em revistas nacionais e internacionais, além de muitos prêmios recebidos no Brasil e exterior. "Era um cientista extremamente criativo e que, incansavelmente, testava suas hipóteses experimentais na bancada. E sempre discutia com todos as teorias e a interpretação dos dados. Eu conheci o Leopoldo ainda no primeiro período do curso de medicina, em 1979, quando cursei a disciplina de bioquímica", recorda Jerson Lima Silva, professor do IBqM e diretor científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

De acordo com Vivian Rumjanek, professora da UFRJ e companheira de Meis, ele possuía uma curiosidade enorme por todas as áreas e uma capacidade de perceber detalhes e ir atrás dos significados. "Enfim, como todo bom cientista, ele tinha uma mente original. Trabalhava muito, fazendo seus próprios experimentos na bancada, até perto de sua morte. Acima de tudo, Leopoldo era uma pessoa inspiradora", conta ela.

Para Silva, Meis era um grande sábio. "Ficava atento a tudo e a todos procurando incentivar, nos mais jovens, a carreira científica. Suas descobertas com a ATPase de cálcio revolucionaram a área de ATPases transportadoras de íons. Todas as descobertas mais importantes dessa área foram feitas por Leopoldo e seu grupo. De certa forma, foi injusto ele não ter sido agraciado com o Nobel para as ATPases. Ele estava na 'shortlist', mas isso acontece o tempo todo", lamenta Silva, que conviveu com o professor e teve sua carreira influenciada por ele em vários momentos. Além dos trabalhos científicos na área de bioenergética, Meis teve atuação na cienciometria, com o objetivo de medir o impacto da produção científica nacional. Juntamente com Jacqueline Leta, professora da UFRJ, publicou o livro O perfil da ciência brasileira, lançado em 1990, que mostrou os dados do crescimento da pós-graduação no país.

ARTISTA DA CIÊNCIA

O professor e bioquímico deixou sua marca também nas políticas públicas para a educação em ciência. "Leopoldo possuía uma grande preocupação social. Fez um trabalho importantíssimo relacionado à inclusão de jovens de baixa renda, dando-lhes a oportunidade de entrar na universidade pública através de seu projeto "Jovens Talentosos", diz Rumjanek. Nesse projeto, adolescentes da periferia da cidade do Rio de Janeiro podiam ter contato com a prática científica no IBqM. "A ideia envolvia todo o instituto e passou a ser um grande modelo para o restante do país. Essa iniciativa levou à formação de dezenas de doutores altamente talentosos", destaca Silva.

Meis trabalhou ainda na difusão da ciência, com o lançamento de materiais didáticos que tivessem um formato e linguagem atraentes para o público jovem. A ideia era expor o conhecimento de uma forma diferenciada para despertar interesse e emoção. "O cientista tem os seus momentos de emoção, o problema é como transmitir isso. Os bons cientistas, os que se destacam, falam dessas emoções, falam da intuição", disse Meis em entrevista à revista Pesquisa Fapesp (ed.70, 2001).

 A partir disso, lançou livros com histórias em quadrinhos sobre ciência como O método científico, de 1996, e A respiração e a 1ª lei da termodinâmica ou a alma da matéria, de 1998, ambos em parceria com Diucênio Rangel, cartunista e doutor em química biológica pelo IBqM/UFRJ. Criou também peças de teatro, na qual atuou e que foram encenadas em diferentes cidades do país, e até filmes com imagens de computação gráfica, como A evolução do conhecimento, A contração muscular, Luz, trevas e o método científico - guerreiros valentes do impensável e A mitocôndria em três atos. Os filmes podem ser acessados no You Tube.

De acordo com Davidovich, Meis preocupava-se em "trabalhar a claridade dos demais", ou seja, em aumentar o conhecimento científico da população, principalmente os jovens. "Por isso mesmo uniu a ciência à arte de forma admirável, percorrendo o país com suas peças teatrais baseadas em conceitos científicos claramente expostos, mobilizando estudantes e pós-doutores que se tornavam 'artistas da ciência'. Reunia sistematicamente, aproveitando as férias de verão, estudantes de ensino médio em seu laboratório, estimulando a curiosidade e a paixão pelo conhecimento. Vários desses estudantes são hoje cientistas ativos, que se lembram com gratidão do ambiente estimulante de pesquisa proporcionado por Leopoldo", enfatiza. Silva salienta que o Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ abraçou as ideias de Meis. "A nossa pós-graduação em química biológica tem uma área de concentração em divulgação, educação e gestão de ciências. Essa iniciativa foi acompanhada por vários outros programas de pós-graduação do país e até do exterior", explica.

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As iniciativas de Meis de arte e educação na ciência continuam vivas com diversos grupos no país. "Os grupos da Rede Nacional de Educação e Ciência - Novos Talentos da Rede Pública, formada por ele e envolvendo grupos de cientistas de várias partes do Brasil, continuam produzindo revistas ilustradas, vídeos, peças de teatro, e isso tudo é resultado do entusiasmo contagiante do Leopoldo pela área. A Rede continua existindo e agora leva o nome dele – Rede Nacional Leopoldo de Meis de Educação e Ciência", destaca Rumjanek.

 Texto na íntegra publicado pela Ciência e Cultura 

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